quarta-feira, 31 de março de 2010

Brasileiros e falsa cidadania italiana


No dia 19 de março, em um dos jornais mais respeitáveis da Itália o "Corriere della Sera", foi publicada uma notícia que deve deixar em estado de alerta aqueles brasileiros que estão programando fazer a cidadania italiana aqui . A matéria se intitula : "La grande truffa dei passaporti italiani"- que traduzida fica assim: "O grande golpe do passaporte italiano"- e que conta de como brasileiros forjam documentos para construir uma falsa árvore genealógica e passar a ter um antecedente italiano que lhes dá o direito à cidadania. A matéria é uma das manchetes e ocupa toda a página 19 do jornal, com grande riqueza de detalhes a respeito dos documentos falsificados no Brasil - que tristeza! Isso prejudica muito aqueles que fazem tudo direitinho, demoram anos para juntar e legalizar todos os documentos, depois, quando chegam aqui, muitas vezes, pagam as consequências da maracutaia dos outros, pois os documentos brasileiros passam a ser vistos com muita desconfiança pelas autoridades locais, e devem passar por um sistema mais rigoroso e lento para serem considerados válidos. A matéria é longa e fala até de uma máfia brasileira que transforma pessoas provenientes de países árabes (que têm dificuldade para imigrar para os Estados Unidos) em legítimos cidadãos italianos, através de falsa identidade brasileira com linha de parentesco italiana.
Aqui vai a tradução de um trecho:
" Um trabalho de pesquisa entre o Brasil, Londres e algumas cidades italianas permitiu ao "Corriere" desvelar a existência de uma rede criminal que faz evitar anos de espera, ou até mesmo cria do nada o direito à cidadania italiana, penetrando nas malhas largas da lei de 1992, e das sucessivas diretivas. Os documentos dos quais estamos em posse demonstram conivências pesadas: árvores genealógicas falsificadas foram legalizadas dentro da nossa embaixada em Brasília, depois encaminhadas a uma cidade do Savonese, onde a "rede" oferece estadia e uma residência fictícia ao futuro cidadão italiano. (...) O primeiro encontro é em um escritório de São Paulo ou de Porto Alegre com um mediador. Mas para quem já está na Europa, mesmo como clandestino, tudo pode ser organizado em Londres. A tarifa do serviço depende da dificuldade do trabalho. Pegamos o exemplo mais gritante: o "cliente" brasileiro não tem nenhum antenato italiano. Por um valor que gira em torno aos 10.000 euros, a gang resolve o problema. Faz o pedido na Itália de um certificado de nascimento, verdadeiro, de um emigrado para o Brasil, com a data de fim de 1800 ou início de 1900, e o faz tornar-se bisavô do brasileiro, falsificando os certificados intermediários.(...)A árvore genealógica inventada necessária para a obtenção da cidadania tem o aval da seção consular da Embaixada de Brasília. (...)" Não se preocupe, passamos naquele escritório onde estão os nossos amigos", disse um mediador a uma brasileira que se fingia interessada e declarava de não ser de Brasília mas de uma cidade do Sul. É na capital do Brasil o coração do golpe e poderiam ser centenas as práticas timbradas nos últimos anos sem nenhuma verificação. Enquanto os consulados de São Paulo, Porto Alegre ou Curitiba- com milhões de descendentes italianos- estão afogados nas práticas de cidadania (com até 20 anos de espera), o escritório hospedado na embaixada italiana de Brasília se ocupa apenas do Distrito Federal, que tem menos habitantes do que Roma. Para fazer a prática falsificada chegar na mesa dos "amigos", a quadrilha deve falsificar um outro documento declarando que o requerente seja de Brasília, o que, na grande maioria dos casos provenientes desse escritório, não é verdadeiro."

Nesta primeira parte a matéria denuncia casos criminais, pessoas que burlam as leis italianas e brasileiras. Na segunda parte critica a lei italiana e a circular de 2002 por permitir a vinda de brasileiros -com documentos verdadeiros e legalizados- para fazer a cidadania diretamente na Itália, bastando para isso declarar-se residente em uma cidade italiana. O jornal classifica isso de " turismo de passaporte" e diz que algumas cidades são verdadeiras fábricas de novos italianos. Embora, neste caso, seja tudo feito dentro da lei, criou-se uma visão negativa a respeito dos pedidos de cidadania feitos por brasileiros, que são vistos com desconfiança. Deste modo, o direito de um cidadão brasileiro a reclamar as suas origens ficou com cara de abuso, sinal que a lei italiana não reflete a mentalidade atual dos italianos que vem gradualmente aceitando alguns princípios xenofóbicos como positivos.
A gente sabe que o brasileiro tem uma notável capacidade para criar novas maneiras de burlar a lei ( que criatividade!) mas não se pode negar que a maracutaia dos documentos falsos não seria possível se algumas autoridades italianas não fossem coniventes.
A lentidão dos processos junto aos consulados italianos no Brasil é a raiz de todos estes problemas, o que equivale a dizer: -Olha, você que é descendente de italiano tem o direito de ter reconhecida a sua cidadania, mas para que isso aconteça, ou você espera 20 anos aqui no Brasil, ou vai para a Itália e gasta um monte de euros e mesmo seguindo a lei você vai ser mal visto e, muitas vezes, mal tratado. Que raio de direito é esse?